sábado, 3 de outubro de 2009

Crônica de Uma Morte Anunciada

“Nunca houve uma morte mais anunciada.

(…)

Além disso, os cães, excitados pelo cheiro da morte, aumentavam a agitação. Não tinham parado de uivar desde que eu entrei na casa, quando Santiago Nascar ainda agonizava na cozinha, e fui dar com Divina Flor chorando em alta grita, e mantendo-os em respeito com uma tranca.

(…)

Despontava uma terça-feira turva. Não tive coragem para dormir sozinho ao fim desta jornada opressiva, e empurrei a porta da casa de Maria Alejandrina Cervates a ver se não tinha corrido o ferrolho. As cabaças de luz estavam acesas nas árvores, e no pátio de baile havia vários fogões a lenha com enormes panelas fumegantes, onde as mulatas tingiam de luto as suas roupas das festas. Fui dar com Maria Alejandrina Cervantes acordada como sempre ao amanhecer, e completamente nua como sempre que não havia estranhos em casa. Estava sentada à turca sobre a cama de rainha diante de um pratalhão de comida: costeletas de vitela, uma galinha cozida, lombo de porco, e uma guarnição de banana e legumes que teriam dado para cinco pessoas. Comer sem medida foi sempre o seu único modo de chorar, e eu nunca a tinha visto fazê-lo com tanta mágoa. Deitei-me a seu lado, quase sem falar, e chorando também a meu modo. Pensava na crueldade do destinho de Santiago Nascar, que lhe tinha feito pagar vinte anos de felicidade não apenas com a morte, mas também com o retalhar do corpo, e com a sua dispersão e extermínio. Sonheo que uma mulher entrava no quarto com uma menina nos braços, e que esta mastigava sem respirar e os grãos de milho meio mastigados caíam no seu soutien. A mulher disse-me: ”Ela mastiga à maluca, sem ligar, sem desligar”. De repente senti os dedos ansiosos que me desapertavam os botões da camisa, e senti o cheiro perigoso do anomal de amor deitado atrás de mim, e senti que me afundava nas delícias das areias movediças da sua ternura. Mas parou de chofre, tossiu de muito longe e safou-se da minha vida.

(…)

E não era só eu. Tudo continuou a cheirar naquele dia a Santiago Nasar.

(…) “

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